A gente cresceu num país cheio de preconceitos, mas que jura que é tolerante e igualitário. A gente nunca teve problema em entoar marchinhas de carnaval supermachistas, homofóbicas ou racistas. Também era natural cantar cantigas de roda sobre crioulas ou mulheres que "ficaram pra titia". É muito intrínseco no Brasil esse ímpeto de julgar os outros e como cada um vive a própria vida. Chato pra caramba.
Depois que me tornei mãe, passei a prestar atenção nesses preconceitos já enraizados na nossa cultura e no nosso discurso. De minha parte, procuro ficar atenta pra não cair nessas armadilhas. Também chamo atenção de quem está à minha volta pra refletir sobre cada palavra que sai da boca. Encarnei a problematizadora mesmo.
Por exemplo, quando nasce um bebê, pelo menos no Ceará, o maior elogio que as pessoas fazem é "afiladinho". Ninguém diz que recém-nascido é bonito, diz que é "afilado". O que isso quer dizer? Que tem as feições refinadas, narizinho empinado? As pessoas já procuram isso e não cansam de repetir que "que bom, parece que vai ser afiladinho". E o bebê que não tem essa característica não tem também sua beleza?
Também ouvi recentemente falarem sobre lábios. Que bonito é o bebê que tem a boca pequenininha, "normal". Que raiva que eu tenho dessa normalidade! Desde quando a boca carnuda ou grande é anormal?

Sempre ficava incomodada quando olhavam pra Penélope novinha e diziam: "Olha os olhos dela, a coisa mais linda!". Tinha gente que dizia que era azul, tinha gente que dizia "Tomara que não mude, né?" ou "Uma pena que muda a cor". Muitos bebês nascem com os olhos acinzentados, e a cor muda para uma definitiva, normalmente um tom de castanho, até os 9 meses. Bebês de olho claro de verdade ficam com ele claro rapidinho.

Penélope tem lindos, enormes e expressivos olhos castanhos que não trocaria por nada.
Por que, sociedade, por quê? 2017 e a cabeça de grande parte das pessoas ainda acredita que única beleza possível é a de padrão europeu, quiçá ariana. Isso num país tão misturado como o Brasil, em uma região tão parda quanto a Nordeste. Mas não existe preconceito, não existe diferença racial, não.