Esse é um texto sobre amor

Esse é um texto sobre amor

Começou em Amaraji, cidade do interior de Pernambuco, o amor mais genuíno que tomei conhecimento em toda minha vida. Aos 14 anos, ele queria um picolé, mas não tinha dinheiro para comprar. Ela o ofereceu e assim começou o desenrolar de uma história traçada em 1957, ano do nascimento dos dois. Que continua até hoje, independente de onde aquela mocinha faceira e esperta que ofereceu um picolé ao homem mais impressionantemente amoroso do mundo esteja.

O sonho da minha mãe era ser avó. Quando descobri a gravidez, ela abraçou minha barriga como se fosse dela. Me ajudou da forma que pôde, da forma que ela sabia que eu aceitaria, respeitando meu espaço e escolhas, simplesmente me acolhendo e amando. Mãe.

Cora nasceu e, no dia seguinte, minha mãe ficou doente. Dois meses e poucos dias após, faleceu (escrever essa palavra torna esse o parágrafo mais difícil desse texto, mas vamos, porque eu sou filha de Graça e não vim aqui pra desistir).

Se perder a mãe (no meu caso, nesse momento tão complicado da vida, com um bebê pequeno, um mundo desconhecido onde tudo que você precisa é... da sua mãe) é algo assustadoramente difícil, imagina perder o amor da sua vida? O namoro dos meus pais durou 46 anos. Inúmeras idas e vindas, jamais desistência. Eles sabiam que se existisse mesmo essa coisa de destino, não tinham razão de se preocupar.

Mas não estou aqui para falar sobre luto ou sobre as despedidas que enfrentamos ao longo da vida. Quero falar sobre o amor em sua forma mais autêntica. É o que torna as despedidas ainda mais difíceis, inclusive. Mas também é o que conforta e nos faz seguir.

Através dessa união, descobri que o amor existe. Aquilo de "na alegria, na tristeza; na saúde, na doença; na riqueza, na pobreza" é real. Se não tivesse testemunhado, eu facilmente diria que isso é lenda. Sou de uma geração onde nada se conserta, tudo se descarta. Se troca. Tá ruim? Procura outro.

Você sabe aquelas promoções que te dão de presente um dia/tarde/noite com seu ídolo? Cara, eu sempre ganho elas. Pois é. Baita sorte a minha. E uma das vezes em que aproveitava meu prêmio, meu ídolo, chorando com saudade da minha mãe e tomando uma cerveja, me disse: "pode até ser pretensão minha, mas eu acho que minha vida foi feita pra cuidar da dela". Ali, eu entendi mais uma vez do que era feito o amor romântico. Não é muito coisa de cinema, é mais paciência e doação.

Ter que se despedir, momentaneamente para sempre, do amor da sua vida deve ser algo que talvez te faça querer desistir. O amor torna a despedida muito dolorosa, a saudade ainda mais intensa, os dias mais longos.

Porém, antes de ir embora, minha mãe, que cuidava de tudo, cuidou de ser avó. E veio Cora, com uma linda missão de salvar a vontade de continuar da minha família. Tão pequena e com um colo tão gigante. Carregando, entre um sorriso e outro, a nossa fé. Me fazendo querer acordar todos os dias e agradecer.

Ter um filho é uma massagem nas nossas dores crônicas. Os problemas não desaparecem, muito pelo contrário, você coleciona novos, mas o amor de um filho te alivia. Por mais anuviada que eu esteja em alguns dias, desde que Cora nasceu, não houve sequer um dia em que eu não sorrisse. Ver a relação dela com o avô me emociona. Fico besta como eles se dão bem, se entendem e se amam. Na verdade, precisamos muito mais dela do que ela de nós.

O amor que torna as despedidas mais dolorosas é o mesmo amor que conforta e nos faz seguir.

Obrigada, filha, você nos salva todos os dias.

Por Vitoria de Melo Bispo

Voltar para o blog