Desculpe o transtorno, sou mãe

Desculpe o transtorno, sou mãe

Sempre que preciso sair de casa, me sinto fora de órbita. Como o mundo mudou tanto durante esses sete meses? Dia desses, precisei resolver um compromisso meio burocrático onde o atendente me pediu algo super difícil: "por favor, preencha com a data de hoje".

Primeiro quis saber que ano era hoje. Não sabendo, perguntei a ele.

- Seis de junho, senhora.

Pronto. Agora era comigo. "Que número corresponde a junho, minha gente?", me perguntei, fiz as contas. Seis. Ufa. Queria sair logo dali. Quantas questões difíceis.

Mas ainda não tinha acabado por aquele dia. Peço um táxi pelo aplicativo, aguardo vários minutos. Quando chega, o taxista me pergunta se nenhum outro motorista no ponto de táxi em frente ao local onde eu estava se encontrava disponível e por que razão eu pedi (e esperei) o transporte pelo aplicativo.

"Caramba, moço. Eu não vi". Entro no táxi, fico muda:

Senhora?

-Qual o destino, senhora?

-Opa, vou pra casa, senhor.

O carro permanece parado. Cai minha ficha de que nem todos sabem aonde fica minha casa, inclusive nem eu mesma daquele caminho saberia chegar. "Eita, é Avenida Santos Dumont, senhor. Aflitos, de esquina com a Santo Elias".

- Senhora, a Santo Elias fica numa das esquinas da Rua da Hora.

- Meu Deus, moço. É Teles Júnior. De esquina com a Téles Júnior. Aonde eu tô com a cabeça?

Nessa hora, após toda confusão, decidi me abrir: Desculpe a confusão, senhor. É que eu sou mãe. De primeira viagem. De um bebê de sete meses. Ela ainda está entendendo o mundo fora da minha barriga e desde que ela nasceu eu ainda estou tentando entender o mundo fora da presença dela. Toda vez que saio de casa, minha cabeça fica lá com ela. Por isso esse atrapalho.

- Ahh, entendi. Mas você trabalha? Não, né?

- Obrigada por entender.

Milhares de pensamentos rondam a cabeça de uma recém-mãe ao mesmo tempo. Quando me vejo nessa situação, entendo perfeitamente que já era o meu juízo porque são tantos detalhes a se pensar que alguns outros pontos cruciais da vida acabam não cabendo. Meu lugar no universo não é mais nenhum outro onde minha filha não esteja ao meu alcance. Minhas demandas não são mais minhas, são as dela. Natural que minha cabeça acompanhe esse ritmo. O normal é mesmo sair de casa (se saio sem ela) somente pensando em voltar. Difícil manter a concentração em todo o resto.

Ser mãe é estar numa prisão perpétua de amor total a outro ser. Ao mesmo tempo que é ser muito livre , é tomar doses de coragem sem gelo, sem calma, no instinto, sem muito tempo pra pensar e no final ver que deu tudo certo. Depois que sou mãe, me sinto imbatível.

Preciso da minha filha pra tomar inúmeras decisões as quais eu não tomaria antes porque claro que eu tinha mais o que fazer. Mas agora tudo que tenho que fazer é ser exatamente a pessoa que eu quero que ela veja e se orgulhe.

Meu tempo é outro. Não conto em relógios, danço conforme a música dela. Relógio biológico de mãe quebra no momento em que nasce o bebê.

Não me importa como vão ver todo o meu atrapalho. Inclusive peço desculpa apenas por educação. Se esqueci uma panela no fogo, provavelmente foi porque me distraí com um choro ou uma risada (e que risada!). Se troquei as bolas quando saí, é porque estava pensando se, em casa, o pai tinha trocado fraldas.

Não há nada tão primordial quanto saber que tudo está sob controle ali, com aquele serzinho sempre (ou quase sempre) cheiroso e lindo. Mesmo que ao redor haja a vida de uma mãe revirada do avesso. Honestamente, nunca imaginei que o avesso fosse tão absolutamente bonito.

Me desculpe o transtorno, o atraso, a correria. Sou mãe.

Por Vitoria de Melo Bispo

Voltar para o blog