Meu invisível relacionamento abusivo

Meu invisível relacionamento abusivo

Síndrome de Estocolmo. Você já deve ter ouvido falar sobre, mas vou refrescar sua memória: A Síndrome de Estocolmo é um estado psicológico onde a vítima (sob tensões, situações de tortura, medo e afins) cria um afeto por seu agressor. Esse é o caso da maioria dos relacionamentos abusivos, onde a vítima não só não percebe que está passando por essa situação, como quer defender a todo custo o seu agressor.

Já ter estado ou estar em um relacionamento abusivo é, infelizmente, a realidade da maioria das mulheres que conheço. Não foi diferente comigo, mas só hoje, um bom tempo depois, vendo de cima a situação, consigo entender o que me aconteceu e partilho com você agora, a fim de que isso talvez possa te ajudar.

Quase sempre, a figura que te oprime é absolutamente acima de qualquer suspeita. Você recebe uma overdose de qualidades da pessoa, vê o quanto ela é querida entre os amigos, como convive de forma pacífica em sociedade, se envolve e se apaixona. É uma relação marcada por intensidade: Você superpotencializa bons momentos.

Os altos vão ao céu, os baixos, ao mais baixo inferno.

Na relação abusiva onde estive há poucos anos, o início do inferno foi bem rápido. Após o primeiro término, nunca mais voltamos às boas. A premissa de que “errar é humano, vamos dar outra chance” te autossabota o tempo inteiro e você sempre volta para o que te feriu. Mas, eu te afirmo: é extremamente difícil perceber que você está se relacionando com uma pessoa escrota a partir do momento em que você, naturalmente, se deixa cegar pela paixão. Não se culpe.

Meu relacionamento abusivo me tolhia. Quase sempre o abusador te põe para baixo, edita suas qualidades e te critica muito. O objetivo é simples: se você não se aceita, aos seus olhos, ele te parecerá a melhor opção de pessoa. Fato é que esta pessoa (abre aspas) incrível (fecha essa aspa e corre, irmã), encara a missão de tentar te convencer full time que você é uma bosta. O abusador projeta em você os defeitos que são dele.

Os erros dele se tornam recorrentes e você se culpa por não conseguir consertá-los. O primeiro passo é entender que arrependimento só existe com mudança de comportamento. Se ele não mudou, não vai mudar.

Experimente procurar saber da ex. Veja como ele vai falar dela. Meu abusador se referia às suas ex sempre como loucas, doentes, psicopatas.

A próxima louca era eu. 

Pros amigos, pra família e até pra mim mesma, meu abusador vendia a ideia de que eu era completamente pirada. Que via coisa onde não existia. Que aquela mensagem no celular foi engano. Que aquele sumiço naquela noite foi apenas um sono profundo. Chegamos a um ponto onde eu descobria uma mentira por semana. Uma traição por semana. Um perdão por dia.


Quando me dei conta, eu estava em estado depressivo. Emagreci vários quilos em um mês. Me afastei dos meus amigos, conheci minha pior versão. 

As estatísticas nos mostram que muitas vezes essas relações acabam de forma trágica. Se eu pudesse agradecer ao meu abusador por algo, seria por ter rompido comigo. Ele me traiu no dia do meu aniversário e eu entrei em surto. Fui violenta com ele e mais ainda comigo. Como se não bastasse, na nossa última conversa, ele me disse que era melhor que terminássemos pois ele havia cansado de me olhar de cima para baixo. Na época, ouvir essa frase foi devastador. Eu, que já tinha mudado tanto por nunca me sentir suficiente, parei inclusive de escrever porque ele fazia questão de dizer que tudo que eu escrevia era péssimo.

Voltar a escrever, pra mim, é a prova de que existe uma cura. A minha veio à duras penas, após quase um ano de reclusão e medo de me envolver afetivamente com qualquer pessoa.

A você que acha que está vivendo algo parecido, quero muito te dizer que você é bem maior do que talvez esteja se sentindo agora. Por favor, aceite que a culpa nunca foi sua. Não se culpe pela doença do outro nem ache que vai ser a cura de ninguém. Vai doer, mas quando passar, você vai ver o quanto tudo foi necessário na construção da pessoa muito melhor que você vai se tornar.

Assim foi comigo e hoje essa experiência é de suma importância para que, por exemplo, eu possa ensinar a minha filha a nunca entrar nessa. 

Não sei que fim tomou o meu abusador. Nem tenho como saber porque ele é muito pequeno para que eu consiga enxergá-lo aqui de cima.

Por Vitoria de Melo Bispo

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