De barbas e bebês

De barbas e bebês

Antes de a Penélope nascer, eu fui tio. Tanto tio de verdade quanto honorário. E, em muitas ocasiões, quando chegava a hora de eu ficar cara a cara com o bebê ou de segurá-lo e ele chorava, os pais ou quem estivesse perto logo se apressava em apontar o motivo: é a barba. Sim, porque bebês têm medo de barba. Não é de estranhos, de gente que ele vê com pouca frequência. Bebê tem medo é de barba.

Na época, sem poder contestar, aceitava essa hipótese silenciosamente, ainda que desconfiasse de sua validade. Faltava-me o principal: um bebê para provar o contrário. Até que, com poucos meses de Penélope, a teoria abraçada por tantos cientistas imberbes se revelou fraquíssima e caiu por terra. 

Logo que começou a reconhecer rostos e sorrir pros seus favoritos, a Peninha mostrou que não tinha medo nenhum da minha cara barbada. Nem do meu cabelo. Na verdade, não só não tinha medo como sorria quando me via. Com o passar dos meses, o sorriso só aumentou, virou riso e hoje até gargalha quando apareço. Se for medo, seria uma maneira muito original de demonstrar medo.

Mas tudo bem, vamos supor que eu fosse uma exceção. Afinal, eu fui um dos primeiros rostos que ela viu, e desde que nasceu viu com muita frequência. Por todas as vezes que a embalei pra dormir ela acabou abstraindo-se da minha repugnante barba. Com outros barbados não haveria de ser assim.

Besteira. A gente tem um estúdio de gravação em casa, com músicos circulando por aqui quase todos os dias. E músicos muito frequentemente são barbados. De braço em braço nessa multidão de visitantes cabeludos, nunca vi a Penélope chorar uma única vez. Vi, em vez disso, muitos sorrisos.

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Mas nem sempre: houve aquelas vezes em que a Penélope não quis ir para o braço de alguém ou começou a chorar só de ver um rosto. A surpresa é que nessas ocasiões não foi ninguém barbado. Foi alguém de cara lisa, de cabelo curto ou de óculos. Tudo o que a cara do papai não tem. E sabe por que ela reagiu assim? Porque bebê não tem medo de barba, de cabelo, de gente calva, verde ou de óculos. Bebê tem medo do que não conhece. E quando você cria uma pessoinha dizendo pra ela que ter medo do diferente é normal, é exatamente isso que ela vai ser quando crescer: alguém com aversão a tudo o que não é igual a ela. Vamos evitar mais intolerância e deixar no mundo seres humanos melhores que isso?

Por Igormina

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